Ex-diretores do INSS foram beneficiados com R$ 17 milhões e até carro de luxo de associações investigadas pela PF
Por Patrik Camporez – Sarah Teófil – Ivan Martínez – Vargas e Geralda Doca
Local: Brasília
29/04/2025 04h 00 Atualizado às 7h 35

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Menos de uma semana após ser deflagrada a Operação Sem Desconto, da Polícia Federal (PF) e da Controladoria Geral da União (CGU), novos detalhes revelam os laços entre integrantes do INSS e associações investigadas pelo desvio de até R$ 6,3 bilhões em recursos de aposentados e pensionistas do instituto.
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As vítimas da fraude tiveram descontos não autorizados em seus benefícios. Segundo a PF, ex-diretores e pessoas relacionadas a eles receberam, ao todo, mais de R$ 17 milhões em transferências de indivíduos apontados como intermediários das associações.
A PF também identificou que um dos integrantes do INSS teria sido beneficiado com um carro de luxo que custa pelo menos meio milhão de reais. O veículo, segundo a PF, teria sido transferido para a esposa do procurador do INSS Virgílio Oliveira Filho — afastado do cargo por decisão da Justiça na semana passada.
Segundo a investigação, pessoas e empresas relacionadas ao ex-diretor de Benefícios e Relacionamento com o Cidadão do INSS André Paulo Félix Fidelis receberam R$ 5,1 milhões “das empresas intermediárias relacionadas às entidades associativas”.
‘Careca do INSS’
O ex-diretor de Governança, Planejamento e Inovação do INSS Alexandre Guimarães teria recebido R$ 313 mil diretamente ou por meio de pessoa jurídica vinculada a ele.

Pessoa e empresas relacionadas a Virgílio receberam R$ 11.997.602,70 de empresas intermediárias relacionadas às entidades associativas.
A figura central apontada pela PF nesse suposto esquema é Antonio Carlos Camilo Antunes, citado como “Careca do INSS”. “Com efeito, verificou-se que as empresas de Antonio Carlos Camilo Antunes operaram como intermediárias financeiras para as entidades associativas e, em razão disso, receberam recursos de diversas associações que, em parte, foram destinados a servidores do INSS”, diz trecho do documento da PF.
Segundo representação da PF entregue à Justiça, o “Careca do INSS”, movimentou R$ 53,5 milhões provenientes de entidades sindicais e de empresas relacionadas às associações. Deste total, R$ 48,1 milhões diretamente de entidades associativas e R$ 5,4 milhões de intermediárias ligadas a essas entidades.
Além disso, segundo a PF, Antônio Carlos declara sua ocupação profissional como “gerente”, com renda mensal de R$ 24.458,23. A PF aponta, porém, movimentações bancárias “muito superiores à sua hipotética renda”.
“Antônio Carlos realizava repasses no mesmo dia do recebimento, mantendo saldo pouco significativo disponível em conta, indicando possível urgência em dificultar o rastreamento dos valores”, aponta o relatório.
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Procurado, Alexandre Guimarães negou que tenha recebido dinheiro de Antônio Carlos Camilo Antunes. Ele disse que abriu empresa em janeiro de 2023 e fez um contrato de prestação de serviço. Alegou que o dinheiro recebido se deve ao serviço realizado como consultor e disse ter todas as notas fiscais para comprovar:
— Nunca tive nada com a área de Benefícios do INSS.
A defesa de André Fidélis disse que ainda não teve acesso aos autos do processo e, portanto, não irá se manifestar sobre o mérito das investigações. “Reafirmamos o compromisso com a transparência, o respeito às instituições e o esclarecimento integral dos fatos”.
Os demais citados na investigação da PF foram procurados pelo GLOBO, mas não responderam até o fechamento desta edição.
Atuação de stefanutto
Na última quarta-feira, quando a Operação Sem Desconto foi deflagrada, o então presidente do INSS, Alexandre Stefanutto, foi afastado do cargo e demitido pelo presidente Lula. Segundo o relatório da PF, ele atuou para liberar descontos em massa em aposentadorias em favor da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). A entidade disse, na semana passada, que “sempre atuou com ética e responsabilidade”.
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Segundo o relatório, a decisão liberou ao menos 34 mil descontos e “foi tomada com base em justificativas que se mostraram infundadas e contrárias à legislação”.
Documentos internos do INSS citam que “foi esboçada uma solução pelo presidente do INSS” para o pedido da Contag, em reunião em junho de 2023 entre representantes da entidade e Stefanutto. A autorização ocorreu mesmo após parecer inicial da Procuradoria do órgão contra a liberação. Procurado, Stefanutto não se manifestou.
Depois da reunião, a Contag fez pedido oficial em 14 de julho de 2023 e disse que “os beneficiários estavam enfrentando dificuldades para desbloquear seus benefícios a fim de permitir os descontos associativos, resultando em um grande volume de solicitações não processadas por falhas técnicas do INSS”