Morte de menina no desafio do desodorante escancara erro do Congresso em travar regulação das redes

By Neto Gaia abr17,2025

Proteger famílias é garantir que ninguém possa difundir conteúdos de ódio ou incitação, e não preocupar-se com qual nome deve estar na certidão de alguém, mas politização do tema por bolsonaristas e erro de estratégia dos governistas liquidou projeto há um ano

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Por Ricardo Corrêa |Para Neto Gaia | Atualização: 17/04/2025 10h 8.

Morte de menina de 8 anos escancara o erro do Congresso em enterrar regulação das redes sociais

Desafios que ameaçam crianças expõem recusa das plataformas de coibirem crimes; politização por bolsonaristas e erro de governistas matou projeto há um ano

morte da menina Sarah Raíssa Pereira de Castro, de apenas 8 anos, no último domingo, no Distrito Federal, joga a luz sobre uma inescapável realidade: a de que o Congresso brasileiro e a sociedade em geral erraram dolorosamente ao bloquear o avanço de qualquer proposta de regulação das redes sociais. Foi mais um recado irreversível que traz dor e indignação para mostrar como tanto as prioridades enviesadas quanto o fanatismo político impedem que realmente haja a preservação da segurança dos brasileiros, não apenas no ambiente real, mas também no virtual.

Segundo a Polícia Civil, Raíssa teria inalado desodorante incentivada por um desafio disseminado na rede social TikTok. Seu caso não é isolado. Há um mês, Brenda Sophia Melo de Santana, de 11 anos, morreu em Bom Jardim, Pernambuco, vítima do mesmo desafio veiculado abertamente nas redes.

Outras trends macabras estão circulando, colocando em risco tanto quem se sujeita em participar quanto quem é mero escolhido como alvo do ataque. O desafio do apagão – prender a respiração ou provocar asfixia até desmaiar – já levou a diversas mortes desde 2021, pelo menos. Quem não morre pode ter convulsões ou danos neurológicos. O desafio do Benadryl – a ingestão em grande dose de anti-histamínico para alergia para medir a reação o corpo – também já levou a óbitos pelo mundo.

Um outro que circula há anos, com o tenebroso nome de “quebra-crânio”, pode atingir até mesmo quem passa longe das redes. Basta que duas pessoas tenham combinado de derrubá-la com uma rasteira para que ela bata com a cabeça no chão, o que leva a risco de morte ou sequelas gravíssimas.

Há ainda um que propõe que adolescentes “fumem” cotonetes, colocando em risco o aparelho respiratório, ou que simulem uso de drogas com solventes, inspirado na série Euphoria.

Câmara rejeitou PL das Fake News no ano passado e, deste então, não garantiu avanço de qualquer projeto de regulação das redes
Câmara rejeitou PL das Fake News no ano passado e, deste então, não garantiu avanço de qualquer projeto de regulação das redes Foto: Wilton Júnior/Estadão

Tudo isso circula nas redes, enquanto políticos continuam dizendo que a regulação deve estar limitada às próprias plataformas e que qualquer tentativa de impedir a difusão de conteúdos seria censura prévia. O debate está completamente sem rumo desde que o PL das Fake News foi debatido e engavetado por Arthur Lira (PP-AL), após pressão das bancadas bolsonaristas e das big techs.imagem newsletter

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É irônico, aliás, que os conservadores que tanto defendem a família e utilizem o discurso religioso para brecar qualquer iniciativa que possa abrir espaço para que cada um seja como quer estejam, neste debate especificamente, a favor de que, nas redes, continue valendo tudo e que não seja exigido das plataformas que protejam nossas crianças e adolescentes.

Redes que não têm interesse de agir pois lucram com conteúdos que viralizam e, por esta razão, preferem entregar em seus algoritmos postagens com teor extremista e, por vezes, criminosas.

enterro do PL das Fake News foi patrocinado pelos aliados de Jair Bolsonaro, que queriam liberdade plena para atacar o sistema eleitoral e o Judiciário brasileiro. Assim como o de diversas propostas para regular as redes, algumas inclusive feitas por integrantes da oposição. Mas há também importante ingrediente na incapacidade do atual governo de se articular e definir prioridades. Novos textos sobre o tema estão atravancados nos ministérios. E há, sobretudo, impulso exatamente na estratégia da atual gestão de colocar todo o discurso sobre a necessidade de aprovação do tema nos questionamentos às urnas e ataques aos demais Poderes, como se isso devesse ser o ponto central da proposta.

Não que isso seja irrelevante. É bastante. Mas insuficiente para convencer a opinião pública em geral. Melhor seria se o foco estivesse em apontar que, livres, as redes dificultam a identificação de pedófilos ou de incitadores de martírios dos mais diversos. A chance de que o texto avançasse seria muito maior. O espaço para disseminação de versões distorcidas de seu conteúdo seria menor.

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Como se deu, até no nome, o PL das Fake News trouxe um erro. Embora as mentiras difundidas nas redes também tragam ameaças das mais diversas, a liberdade absoluta das big techs para ganhar dinheiro às custas de publicações de usuários que promovem crimes em série tem muito mais importância e apelo.

Obrigar as plataformas a restringir a difusão de conteúdos que violem direitos, sem a necessidade de decisão judicial, e responsabilizá-las por esses conteúdos, obrigando a imposição de ferramentas eficientes de moderação, é atuar na prevenção, e não apenas nas punições. As operações policiais que, depois que as tragédias ocorrem, buscam identificar os responsáveis chegam tarde demais.

Trata-se da velha máxima: o que não se pode fazer na vida real, também não se pode fazer na virtual. Assim como não pode haver um estabelecimento público aberto para incentivar jovens a se matarem das mais diversas formas, também não poderia haver na internet. E o dono do estabelecimento que oferece espaço para isso é, evidentemente, responsável. Por isso, precisa ser regulado. Defender a família é isso e não decidir qual nome pode ser usado na certidão.

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