No momento, Zelenski parece incapaz de administrar as relações de seu país com Trump
Por Marc A. Thiessen (The New York Times) | Para netogaia.com.br
04/03/2025 03h00
Na quinta feira, o presidente Donald Trump prometeu publicamente ajudar o presidente ucraniano Volodmir Zelenski a recuperar o território ocupado pela Rússia na mesa de paz. “Grande parte do litoral foi tomado, e falaremos nisso”, disse Trump durante uma reunião no Salão Oval com o primeiro-ministro britânico Keir Starmer. “E vamos ver se podemos recuperá-lo ou recuperar boa parte dele para a Ucrânia.”
Um dia depois, Zelenski estava envolvido em um bate boca sem precedentes com Trump no Salão Oval — após a qual a assinatura planejada de um acordo histórico de exploração de minerais entre os dois países foi arquivada.
A explosão foi culpa de Zelenski. Para entender o porquê, é preciso assistir ao desenrolar de toda a reunião de 50 minutos. Trump cumprimentou Zelenski graciosamente, elogiando a coragem e a resiliência do povo ucraniano, e descartou sua rixa anterior como “uma pequena briga de negociações”.
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Mesmo depois de Zelenski recusar um pedido da Casa Branca para usar um terno, Trump elogiou sua roupa, dizendo: “Acho que ele está lindamente vestido”. Trump exaltou o acordo de exploração de minerais que eles haviam fechado e disse: “Estamos ansiosos para entrar e cavar, cavar, cavar”. Ele prometeu publicamente continuar a ajuda militar à Ucrânia e até mesmo apresentou a possibilidade de que ele “poderia possivelmente” comprometer tropas dos EUA ao lado de tropas britânicas e francesas para fornecer segurança após um acordo de paz ser fechado.
Isso deveria ter soado como música para os ouvidos de Zelenski. Ele deveria ter aceitado essa vitória. Em vez disso, cerca de 24 minutos depois, muito antes de sua troca concisa com o vice-presidente JD Vance, Zelenski começou a criticar Trump na frente dos repórteres reunidos.
Ele rejeitou sumariamente a ideia de Trump de um cessar-fogo imediato — algo que é extremamente importante para Trump, que está comprometido em parar a matança — dizendo que Putin já havia quebrado o cessar-fogo 25 vezes.
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“Ele nunca quebrou quando eu estava envolvido”, disse Trump. “Não, não, você era o presidente”, Zelenski o contradisse. “Não quando eu estava ernvolvido”, Trump repetiu. Em vez de deixar passar, Zelenski o contradisse novamente: “Em 2016, o presidente era você, sr. presidente”, ele disse, acrescentando: “É por isso que nunca aceitaremos apenas um cessar-fogo. Não funcionará sem garantias de segurança”.
Questionamentos
Por que diabos Zelenski escolheu contradizer Trump com os fatos na frente do mundo inteiro em vez de questionar a sabedoria de um cessar-fogo a portas fechadas?
Alguns momentos depois, após Trump lamentar a destruição de cidades ucranianas, Zelenski o interrompeu novamente. “Não, não, não, você tem que vir, sr. Presidente, você tem que vir e ver. Não, não, não, temos cidades muito boas.” Ele então sugeriu que Trump estava caindo na propaganda de Putin, declarando: “É Putin que está compartilhando essa informação, de que ele nos destruiu.” Mas Trump estava certo: muitas cidades ucranianas foram destruídas.
A intervenção de Zelenski foi imprudente e desnecessária. Ele estava em Washington para curar um afastamento que começou com sua sugestão pública de que Trump estava vivendo em um “espaço de desinformação” russo — uma sugestão que levou Trump a atacar e chamar Zelenski de “ditador sem eleições”. Por que ele faria isso de novo? Dava para ver o comportamento de Trump endurecendo a cada contradição pública de Zelenski.

Então, um jornalista polonês perguntou a Trump se ele havia se alinhado demais com Putin. “Você quer que eu diga coisas realmente terríveis sobre Putin e depois diga: ‘Oi, Vladimir, como está indo nosso acordo?’ Não é assim que funciona.” Foi quando Vance interveio. “Por quatro anos nos Estados Unidos, tivemos um presidente que se levantou em coletivas de imprensa e falou duro a respeito de Vladimir Putin, e então Putin invadiu a Ucrânia e destruiu uma parte significativa do país”, disse Vance. “O caminho para a paz e o caminho para a prosperidade talvez seja se dedicar à diplomacia.”
Não havia razão para Zelenski comentar a intervenção anódina de Vance a respeito das virtudes da diplomacia. Mas ele se inseriu na discussão e repreendeu Vance, apontando que “durante 2014 até 2022… pessoas estavam morrendo na linha de contato. Ninguém o impediu”, efetivamente acusando Trump de ficar de braços cruzados enquanto ucranianos eram mortos. Ele então sublinhou que Putin havia quebrado um cessar-fogo que ele assinou em 2019 enquanto Trump estava no cargo. “De que tipo de diplomacia, JD, você está falando?”, disse Zelenski, citando o vice-presidente pelo primeiro nome.
Essa foi toda a abertura que Vance, um crítico da Ucrânia, precisava. “Estou falando do tipo de diplomacia que vai acabar com a destruição do seu país”, Vance respondeu sucintamente, acrescentando: “Sr. presidente, com todo o respeito, acho desrespeitoso da sua parte entrar no Salão Oval e tentar litigar isso na frente da mídia americana”.

Depois disso, teve início o pandemônio.
Estratégia
Zelenski não deveria ter demonstrado nenhum desentendimento com Trump na frente da mídia. Como o general aposentado Jack Keane observou na Fox News, “Ele deveria ter entendido ao entrar no Salão Oval hoje que, quando as câmeras estão ligadas… a única resposta às perguntas deveria ser, do ponto de vista de Zelenski, ‘Obrigado, Sr. presidente. Obrigado, Estados Unidos. Vou trabalhar com vocês para alcançar um fim pacífico para esta guerra’. Ponto final”.
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Keane está certo. Esta deveria ter sido uma reunião de tapinhas nas costas e camaradagem celebrando o acordo de exploração dos minerais. Em vez disso, Zelenski sequestrou a reunião, intervindo quando não lhe faziam perguntas, procurando oportunidades para interromper e expor seus pontos. Se ele tivesse ficado quieto, o acordo de minerais seria assinado, os Estados Unidos estariam financeiramente investidos na independência da Ucrânia e ele estaria elaborando estratégias com Trump para recuperar seu território durante as negociações. Em vez disso, ele alienou o homem de quem depende o destino de seu país, um homem que momentos antes estava falando na possibilidade de enviar forças de paz dos EUA para a Ucrânia.
Pior ainda foi a recusa teimosa de Zelenski em se desculpar e consertar a cena. Durante uma entrevista à Fox News naquela noite (que Trump quase certamente estava assistindo), Bret Baier deu a Zelenski repetidas oportunidades de fazê-lo. Em vez disso, o presidente ucraniano dobrou a aposta. “Não”, Zelenski respondeu quando perguntado se devia um pedido de desculpas a Trump. “Acho que temos que ser muito abertos e muito honestos, e não tenho certeza se fizemos algo ruim.” Era como assistir a um homem se afogando que continua recebendo a oferta de uma boia salva-vidas, mas se recusa a pegá-la.

Zelenski deveria ter ficado em Washington até que a ruptura fosse consertada. Trump lhe deu uma saída. Em uma postagem no Truth Social, ele disse que Zelenski “pode voltar quando estiver pronto para a paz”. Zelenski deveria ter aproveitado essa oportunidade e enviado a Trump uma nota escrita à mão expressando sua tristeza pelo fato de a reunião ter saído dos trilhos, lamentando o papel que ele desempenhou em seu desfecho e declarando sua intenção de trabalhar com Trump pela paz. Em vez disso, ele recusou a rampa de saída que Trump lhe ofereceu, pegou seu avião e foi embora.
Sua teimosia foi um trunfo em fevereiro de 2022, quando ele se recusou a fugir de Kiev diante do avanço das forças russas. Mas, hoje, é uma desvantagem. Zelenski arrancou a derrota das garras da vitória. Não houve “emboscada”. Ele estava preparado para o sucesso. Tudo o que ele tinha que fazer era sorrir, agradecer a Trump e ao povo americano e assinar o acordo de exploração de minerais. Em vez disso, ele deu a Putin uma vitória, fortaleceu os republicanos anti-Ucrânia e enfraqueceu a mão daqueles que querem ajudar a Ucrânia a alcançar uma paz justa e duradoura.