
alerta embaixador Rubens BarbosaDiplomata avalia que competividade do setor agropecuário pode aumentar oportunidades de comércio ao Brasil, mesmo diante de algumas perdas
Sabrina Nascimento | São Paulo | sabrina.nascimento@estadao.com | Para Neto Gaia.
05/03/2025 – 13:50 | Atualizado às 17: 10.

Foto: Divulgação/IRICE
O Brasil voltou a ser citado por Donald Trump como um dos países que têm taxas elevadas sobre os produtos norte-americanos. A fala ocorreu cerca de um mês depois de o presidente dos Estados Unidos (EUA) assinar um memorando para uma possível aplicação de tarifa de reciprocidade ao etanol brasileiro.
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Durante discurso ao Congresso do país na noite de terça-feira, 04, ao comentar sua política tarifária, Trump falou do Brasil, junto a outros países.
“Outros países usaram tarifas contra nós por décadas, e agora é a nossa vez de começar a usá-las contra eles. A União Europeia, China, Brasil e Índia, México e Canadá e diversas outras ações cobram tarifas tremendamente mais altas do que cobramos deles”, disse o presidente Donald Trump. Ele afirmou ainda que as novas taxas serão aplicadas a partir de 02 de abril.
A postura de Trump pode ter um efeito disruptivo no comércio global, afetando a economia mundial e brasileira, com reflexos no agronegócio brasileiro. Em entrevista ao Agro Estadão, o ex-embaixador do Brasil em Washington e Londres, Rubens Barbosa, destacou que, embora as tarifas possam prejudicar algumas exportações brasileiras, o país pode se beneficiar no curto prazo com a competitividade de alguns produtos agrícolas, como o abacate, a soja, o milho e as carnes.
No entanto, Barbosa, que é presidente do Instituto Relações Internacionais e Comércio Exterior e da Associação Brasileira da Indústria de Trigo, pondera que a situação ainda está em estágio inicial e que os efeitos a longo prazo dependem do desenrolar da política tarifária dos EUA e de negociações com outros países, como a China.
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O presidente Trump afirmou em discurso no Congresso dos EUA que tarifas recíprocas aos parceiros comerciais do país entrarão em vigor em 2 de abril. Se essas medidas vierem a ser implementadas, podem reconfigurar o comércio global?
Acho que pode ter um efeito muito forte sobre o comércio global, sim. Porque com essas medidas, os países vão reorganizar as suas exportações, porque o principal mercado do mundo hoje são os EUA junto com a China. No caso americano, eles vão ficar fechados ou vão diminuir muito espaço para a exportação do resto do mundo. Porque o objetivo principal do Trump é primeiro reduzir o déficit comercial e depois políticas industriais para criar investimentos nos EUA, com transferência de fábricas do México, do Canadá, de outros países para os EUA. Então, dependendo do tempo que essa política for mantida, vai criar um constrangimento para o sistema de comércio internacional afetando todos os países.
Trump ainda citou o Brasil ao mencionar países que aplicam tarifas altas sobre os produtos norte-americanos. Diante dessa nova política dos EUA, como fica o comércio e a relação entre os dois países?
Nós estamos vendo o começo desse processo. Desde fevereiro e agora ontem, nós vimos a imposição de tarifas que vão afetar alguns países diretamente. Agora, em abril, nós vamos ter outra rodada de tarifas gerais que acredito que vai afetar todo o sistema comercial global. Estamos indo por partes. Vamos ver se as tarifas que hoje estão em vigor contra o Canadá, o México, se vão ser mantidas em primeiro lugar. E segundo, qual é a extensão dessas novas medidas que virão em abril, tanto no campo agrícola quanto no campo industrial e dos automóveis.
Com a aplicação de tarifas e retaliações o mundo já vive uma guerra comercial?
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Acredito que não podemos avançar ainda para um julgamento de que nós estamos no meio de uma guerra comercial, porque estamos apenas no começo do processo. Na minha visão, ainda vai ter uma reação muito grande dos estados produtores nos EUA, não só por causa da expulsão de imigrantes que trabalham no campo, como também em relação a como essas restrições vão afetar a produção. O Congresso americano vai reagir também. Então, temos que acompanhar quanto tempo essas medidas vão estar em vigor e qual é o efeito que podem ter em relação às exportações do Brasil. O Brasil vai ser reativo a isso.
Quando Trump defende uma reciprocidade tarifária, no caso do Brasil, o agronegócio é um setor sensível?
No caso do Brasil e Estados Unidos, nós temos algumas diferenças. Primeiro, nós temos um déficit na balança comercial e segundo, o Brasil e os EUA competem na área do agro, o que significa que nós não temos muitas exportações na área agrícola para os EUA. Então, se esse processo continuar e a partir do mês que vem nós tivermos uma imposição de tarifas recíprocas para todo mundo, você vai poder ver que o agro brasileiro vai ser afetado em algumas coisas. O etanol é um caso, a madeira e outros produtos específicos poderão ser afetados também.
Há alguma vantagens no curto prazo?
Com essas tarifas colocadas contra o Canadá e contra o México, alguns produtos poderão ser beneficiados se o Brasil tiver competitividade de preço para chegar ao mercado americano. Algumas frutas, sobretudo o abacate, poderão beneficiar o setor do agro brasileiro. Por outro lado, se os EUA fizerem um acordo comercial com a China, por exemplo, e obrigarem o governo chinês a comprar mais produtos americanos para diminuir o déficit que os EUA têm em relação à China, Pequim pode resolver comprar produtos agrícolas dos EUA, o que vai fazer com que diminua o espaço do Brasil. Mas como eu digo, acho que está muito cedo ainda para poder fazer uma análise definitiva, porque nós estamos começando esse processo que pode levar mais na frente, se for mantido, a uma guerra comercial.
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Qual é o impacto dessas tarifas no comércio internacional? Pode ter algum efeito na inflação global dos alimentos?
O impacto dessas tarifas sobre a economia americana vai ser muito grande. Os estados produtores agrícolas vão ficar afetados, porque vão deixar de exportar por causa das barreiras que a China e, provavelmente, outros países vão tomar em relação aos produtos americanos. Então, teremos um efeito indireto com o aumento da inflação, com a dificuldade para reduzir a taxa de juros, e teremos um efeito cambial. Esses efeitos na economia norte-americana também terão um impacto sobre os outros países.
Quais são os possíveis impactos para o Brasil?
No caso do Brasil, por exemplo, um aumento da inflação nos EUA, terá um efeito no crescimento da taxa de juros que impacta sobre a economia brasileira. E depois a questão do dólar que impacta sobre as importações e as exportações do Brasil. Então, veremos um efeito direto com essas tarifas e ainda teremos um efeito indireto pelo impacto na economia americana e a repercussão em outros países. E, dependendo da evolução da negociação com a China, se houver efetivamente a negociação de um acordo comercial, que o Trump já repetiu diversas vezes, e que é possível, então, se isso ocorrer, há um risco grande de o Brasil ser também indiretamente acertado pela diminuição do mercado chinês para produtos brasileiros.
Enquanto não há uma negociação entre as duas potências, o Brasil ganha competitividade nas exportações agrícolas para China?
Para alguns produtos pode-se ganhar, no caso da soja e milho, por exemplo. Um outro caso concreto em relação a essas medidas tomadas com relação ao México, ao lado da China, por exemplo, há um produto que nos Estados Unidos há uma importação muito grande, que é o abacate. Com essas tarifas, possivelmente o abacate vai ser acertado e nós temos competitividade aqui, a mesma coisa para a carne. Então, se a China, se o México não poderem exportar esses produtos, um espaço é aberto, quer dizer, acho que o setor exportador do agro brasileiros vai precisar estar em alerta para identificar, nem que seja uma oportunidade transitória, para aumentar certa exportação para os EUA de certos produtos que normalmente não deverão ser taxados aqui no Brasil. Então, são coisas pontuais que podem acontecer no agro. Tanto em relação aos produtos exportados pelo México, quanto aos produtos importados dos Estados Unidos pela China.