
Além da falta de recursos, Força alega que fim de acordo de cooperação, em fevereiro, traz insegurança jurídica e, por isso, suspendeu cerca de 80 atividades, entre treinamentos e competições; Ministério do Esporte, de André Fufuca, diz que pretende ‘repactuar’ manutenção dos equipamentos após sanção do Orçamento 2025 e Exército não comenta
Por Vinícius Valfré Para netogaia.com.br
29/03/2025 03h00
Atualização: 29/03/2025 06h36
BRASÍLIA – O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por meio do Ministério do Esporte, cortou um acordo de cooperação que previa repasses para as Forças Armadas manterem e administrarem os centros de treinamento que ficaram como legado da Olimpíada do Rio, de 2016. Como consequência, foram suspensos eventos, treinamentos e competições no Parque Olímpico de Deodoro, na Zona Oeste da capital fluminense, estrutura que pode atender mais de dez modalidades esportivas.
Com a área paralisada e sem verba específica para manutenção, os equipamentos do complexo correm o risco de deterioração. Além disso, setores do governo e da comunidade olímpica temem que a nova condição do legado físico atrapalhe os planos de o País receber os Jogos Pan-Americanos e Parapan-Americanos de 2031. As cidades de Rio de Janeiro e Niterói formalizaram candidatura. A soma de gastos anunciados para erguer o complexo chegou a R$ 900 milhões, de 2004 a 2016, em valores não atualizados.
Em nota, o Ministério do Esporte informou que “aguarda a sanção do orçamento de 2025 para, a partir da nova realidade orçamentária da pasta, repactuar com o Ministério da Defesa a manutenção dos equipamentos”. A pasta não comentou impactos da paralisação do complexo em treinamentos e competições. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) diz manter conversas com o governo “para que as instalações voltem a operar normalmente”. O centro de comunicação do Exército não se pronunciou.
Os dois acordos firmados entre Esporte e Exército venceram em janeiro e em fevereiro deste ano, após cerca de uma década de prorrogações. O principal deles é de fevereiro de 2017, assinado pelo então comandante da Força, general Eduardo Villas Bôas, e pelo ministro da época, Leonardo Picciani.
A decisão de não renovar, tomada pela gestão do ministro André Fufuca, do Esporte, foi sinalizada em maio de 2024 em um ofício enviado por Diego Galdino de Araújo, número dois da pasta, para o secretário-geral do Ministério da Defesa, Luiz Henrique Pochyly da Costa.
“Ainda que seja competência deste Ministério do Esporte o ‘estímulo às iniciativas públicas e privadas de incentivo às atividades esportivas’, não resta espaço para esta Pasta, na atual conjuntura, de interpretação diversa que possibilite a prorrogação dos acordos em tela, os quais serão honrados até o fim de suas vigências”, diz o documento obtido pelo Estadão. Desde então, a verba minguou de vez.
Em julho, o ministro Fufuca visitou o complexo de Deodoro, reconheceu a importância da área e sugeriu que poderia recuar. Não o fez, porém. “Não podemos falar do sucesso das iniciativas que envolvem o esporte no Brasil sem reconhecer o trabalho feito em parceria entre o Ministério do Esporte e o da Defesa”, disse à época. “O legado olímpico é fundamental para garantir benefícios às próximas gerações.”
O encerramento dos acordos, no início de 2025, adicionou o componente da insegurança jurídica à administração do complexo esportivo pelos militares. Formalmente, a área foi cedida ao município do Rio e o termo de cooperação permitia ao Exército a gestão dela.
O fim da vigência do termo piorou um cenário historicamente marcado por limitações nos repasses compromissados pelo governo. De 2018 a 2024, os governos previram, nas respectivas peças orçamentárias, ao todo, R$ 282,2 milhões para a “gestão e manutenção do legado olímpico e paralímpico”. Contudo, foram efetivamente pagos R$ 255,4 milhões.
A diferença negativa de R$ 26,8 milhões vinha sendo bancada com recursos das próprias Forças, que tradicionalmente se queixam de escassez de recursos e que assumiram a administração das instalações com a promessa de que não precisariam usar os próprios recursos para a finalidade.
“O presente instrumento visa obter uma forma de sustentabilidade para a utilização compartilhada dos equipamentos esportivos construídos em áreas militares, os quais ficarão como legado dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos e que serão incorporados ao patrimônio do Exército Brasileiro, sem acarretar ônus de qualquer espécie”, salienta trecho do acordo assinado em 2017.
O quadro deve recrudescer em 2025. Sob Lula, a verba reservada para a “gestão e manutenção do legado olímpico e paralímpico” chegou ao menor patamar em oito anos. São R$ 10 milhões previstos para 2025 até agora, contra um média de R$ 35,2 milhões nos exercícios anteriores.
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A decisão do Ministério do Esporte também afeta a manutenção do legado olímpico sob cuidados da Marinha, no Centro de Educação Física Almirante Adalberto Nunes (Cefan), na região da Penha, Zona Norte do Rio, e o da Aeronáutica, dentro da Universidade da Força Aérea (Unifa), no Campo dos Afonsos, na região de Realengo.
Mas esses espaços são menores e já existiam dentro de instalações militares. O principal problema gira em torno do Parque Olímpico de Deodoro, administrado pelo Exército. O complexo está fora da área militar e a Força entende que precisa estar respaldada por um instrumento formal para atuar e, principalmente, por verba para manutenção.
O espaço, com cerca de 496 mil m², abrange o Centro Militar de Tiro Esportivo, o Centro de Pentatlo Moderno, o Centro de Hóquei sobre a Grama, o Parque Equestre (para provas de salto, adestramento e equitação) e a Arena Wenceslau Malta – esta é uma instalação multiuso com capacidade para eventos com até 7 mil pessoas e apta a receber eventos internacionais de Judô, Taekwondo e Jiu-Jitsu. Nos Jogos de 2016, sediou competições de basquete e esgrima.
O complexo tinha ainda o chamado Parque Radical, onde foram realizadas provas de canoagem slalom, BMX e mountain bike. Esse espaço, porém, é administrado pela prefeitura e não está afetado elo corte.
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Sem a renovação dos acordos e sem a verba, o Exército disparou ofícios, em 27 de fevereiro, comunicando o “encerramento das atividades” nos equipamentos de Deodoro. A medida afeta cerca de 80 eventos sociais e esportivos que estavam marcados para este ano.
“Em virtude da ausência de repasse dos recursos previstos no Acordo de Cooperação e considerando a decisão do Ministério do Esporte de não renovar o referido acordo, comunicamos o encerramento das atividades nos equipamentos esportivos que compõem o Legado Olímpico de Deodoro, em especial no Centro Militar de Tiro Esportivo”, diz o comunicado assinado pelo coronel André Bou Khater Pires, subchefe do Centro de Capacitação Física do Exército (CCFEx).

O complexo de Deodoro começou a ser erguido em 2004, com vista aos Jogos Pan-Americanos de 2007. Áreas antes usadas pelo Exército foram cedidas para receber instalações esportivas. Depois da competição, houve desentendimentos sobre como se daria a manutenção do parque. Com a escolha do Brasil, em 2009, para a Olimpíada de 2016, o complexo foi ampliado e virou parte do que se considera o legado olímpico tangível – as benfeitorias realizadas na cidades que recebem as competições e servem para atletas e sociedade como um todo.
Em nota, o presidente do COB, Marco La Porta, afirmou ter como premissa a “união de forças em prol do esporte brasileiro” e que cabe ao Comitê “mediar, unir as pontas para que encontremos a melhor solução para as partes”.
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“Já estive com o Ministério dos Esportes e também com o Ministério da Defesa e vamos continuar conversando para acharmos o melhor caminho para que as instalações voltem a operar normalmente. Estamos confiantes que encontraremos, juntos, essa resolução”, destacou.
O COB aprovou, no fim de janeiro, a candidatura conjunta das cidades do Rio de Janeiro e Niterói aos Jogos Pan-Americanos e Parapan-Americanos de 2031. O Comitê evitou comentar os impactos do encerramento das atividades em Deodoro à candidatura. Procuradas, as prefeituras do Rio e de Niterói não se manifestaram. A pressão da comunidade esportiva trouxe o secretário municipal de Esportes do Rio, Guilherme Schleder, e o da Fazenda, Pedro Paulo, a Brasília para tratar do tema.
O encerramento das atividades no complexo frustrou atletas e confederações, que têm cobrado respostas e alertado para prejuízos à preparação para as próximas grandes competições. A Confederação Brasileira de Tiro Esportivo (CBTE) classifica a decisão como “irrazoável e incompreensível”.