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Além de retomar o trem-bala, Palácio do Planalto planeja a volta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de péssimas lembranças
Por Laísa Dall’Agnol, Reynaldo Turollo Jr. (para) Neto Gaia | Atualizado às 10: 20, deste domingo (5)

TÚNEL DO TEMPO - Lula com símbolos do passado: pressa em apresentar à população novas obras – (Montagem com fotos de Jonathan Ernst/AFP; Manoel Marques; Manabu Takahashi/Getty Images; Roberto Stuckert Filho/PR; Ag. Petrobras/.)
Na última campanha eleitoral, Luiz Inácio Lula da Silva investiu pesado na política da nostalgia e parte considerável de sua vitória pode ser creditada à lembrança positiva de suas duas primeiras passagens pela Presidência — deixou o Palácio do Planalto em 2010 com recorde de popularidade (oito em cada dez brasileiros aprovavam sua gestão).
Ao assumir o novo governo em 1º de janeiro de 2023, a expectativa era de que deixasse de lado o passado para apresentar ao país ideias e projetos para o futuro. Passados dois meses, no entanto, o petista segue olhando para o retrovisor em áreas importantes, como a da infraestrutura. Exemplo disso foi a volta à cena do famigerado projeto do trem-bala entre São Paulo e Rio de Janeiro.
Lula lançou a ideia em 2004 e chegou a prometer que ele estaria pronto na Copa do Mundo de 2014. Como se sabe, nada saiu do papel até hoje, a despeito até da criação de uma estatal para cuidar de sua viabilização.
O negócio parecia enterrado para sempre até que, nas últimas semanas, o país foi pego de surpresa com a ressuscitação da ideia. Para tentar tirá-la do papel, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) deu sinal verde à TAV Brasil, empresa criada em 2021 com o propósito de atuar com trens de alta velocidade e cujo capital social é de apenas 100 000 reais.
Em troca de colocar o negócio nos trilhos até 2032, a um custo estimado de 50 bilhões de reais, a companhia terá o direito de explorar o serviço por quase um século.
O governo federal diz que não vai pôr diretamente dinheiro na empreitada, mas a ideia da TAV é usar 20% do seu capital próprio e 80% de financiamento por meio de vias como fundos de pensão e do BNDES.
Conforme o acordo feito com a ANTT, a companhia tem até o fim deste mês para cumprir prazos como assinatura do contrato e apresentação de licenças.
Como é bastante improvável a viabilização do negócio (“sonhar é grátis”, escreveu sobre o assunto o jornalista e historiador Elio Gaspari), causa espanto que se tenha gasto energia com o assunto, em meio a tantas prioridades de um país com imensos gargalos que atravancam o progresso.
“O governo deveria olhar o portfólio já conhecido e terminar o que está projetado”, diz Paulo Resende, do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Fundação Dom Cabral.

As trombadas iniciais no setor de infraestrutura não se resumem a ressuscitar o trem-bala. Entrou também no radar do Palácio do Planalto o retorno do famoso Programa de Aceleração do Crescimento. Sim, o PAC também vai voltar. Ele foi lançado em 2007, primeiro ano do segundo mandato de Lula, com investimentos previstos, à época, de meio trilhão de reais em áreas como transporte, energia, habitação e saneamento. Outrora liderado pela “gerentona” Dilma Rousseff à frente da Casa Civil, hoje o novo PAC é capitaneado por Rui Costa — braço direito de Lula e atual titular da pasta — e pela secretária-executiva Miriam Belchior, que atuou como coordenadora-geral do programa a partir de 2010, com a saída da então ministra Dilma do governo para disputar a Presidência. Agora, Lula quer reapresentar o PAC nas próximas semanas, mas sob uma nova sigla. O objetivo é mostrar que o petista já tem algo de relevante a entregar à população em termos de obras.
Como não se constrói nada da noite para o dia, a solução é empacotar o novo PAC com um punhado de obras retomadas do governo anterior. Desde que tomou posse, Lula declarou como uma de suas prioridades a conclusão e a entrega das cerca de 14 000 obras federais paradas e, para tanto, convocou Rui Costa e o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, para articular com governadores e entender as necessidades de cada estado. Coube a André Ceciliano, ex-presidente da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro e recém-empossado secretário Especial de Assuntos Federativos de Padilha, coordenar a tarefa.

Entre as prioridades dessa equipe, estão demandas relacionadas a estradas federais, portos, aeroportos, obras do Minha Casa, Minha Vida e ferrovias. “Tudo é prioritário, porque os governadores estão há quatro anos sem parceria com o governo federal”, diz Ceciliano. “As reuniões que fizemos tiveram como objetivo fazer um checklist do que há de projetos, do que falta de licença e do que se tem de orçamento.” O plano de investimento deve ser lançado entre o fim de março e o início de abril, com destaque para o Minha Casa, Minha Vida. “O programa tem desde obras 30% prontas até 90% prontas. São 180 000 unidades habitacionais para serem entregues. O presidente Lula pediu para primeiro terminar essas obras e, segundo, para que sejam preparados áreas e terrenos com infraestrutura, de forma que não faltem recursos para a habitação”, explica Ceciliano.
Outra ideia fixa do petismo é a retomada da indústria naval. Além das promessas feitas durante a campanha, Lula voltou a abordar o tema em uma de suas primeiras visitas oficiais após eleito, no Rio de Janeiro, ocasião em que reafirmou que o governo resgatará os investimentos no segmento no estado. O presidente garantiu que tanto a Petrobras quanto o BNDES atuarão para a recuperação do setor. No passado, os altos investimentos na indústria naval terminaram em escândalos revelados pela Lava-Jato. Estaleiros controlados por empreiteiras envolvidas nas investigações da operação anticorrupção diminuíram as atividades ou nem entraram em operação, com saldo de centenas de desempregados, perdas bilionárias e processos na Justiça.
O próprio PAC, aliás, foi uma grande usina de escândalos. Das dez maiores obras previstas no programa, listadas pela ONG Contas Abertas em 2013, nove se tornaram alvos de investigação criminal — muitas com desdobramentos judiciais até hoje. A maior dessas obras, a refinaria Premium I, que seria construída em Bacabeira, no Maranhão, previa investimentos totais de 41 bilhões de reais, em valores da época, mas não passou da fase de terraplenagem. A Petrobras acabou desistindo do projeto. O TCU apontou uma série de irregularidades, como o fato de o empreendimento ter sido iniciado sem um projeto básico. O saldo foi um prejuízo de 2,1 bilhões de reais para a estatal. Ex-executivos da construtora contratada, a Galvão Engenharia, chegaram a ser condenados pela Lava-Jato em primeira e segunda instâncias e se tornaram colaboradores da Justiça. Outra grande obra do PAC, a hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, motivou investigações contra o então ministro de Minas e Energia do governo de Dilma Rousseff, Edison Lobão (MDB), suspeito de receber propina milionária da Odebrecht e da Camargo Corrêa — o que o político sempre negou. O caso foi remetido para a Justiça Federal em Brasília no fim de 2019, onde prossegue, depois que o STF decidiu que Curitiba não era o foro adequado para julgar todos os processos.

Fonte: Revista Veja.